quinta-feira, 4 de março de 2010

O Problema da Explicação na Teoria da Consciência*

O maior problema na Teoria da Consciência não é a teoria em si, mas a enorme dificuldade de se postular uma teoria científica unificada sobre a Consciência. Isso porque o principal debate que as Ciências e a Filosofia da Mente deveriam fazer não é sobre a Natureza da Consciência, mas sim sobre a Natureza da Explicação sobre a Consciência. Da mesma maneira que Agostinho afirmava saber exatamente o que é o tempo, mas não sabia como explicá-lo. Esse debate propõe que, na teoria da consciência, temos um predicamento similar com uma ligeira modificação, pois, em certo sentido, trabalha-se exatamente com o que pensamos sobre a consciência, mas não se tem ideia de como explicá-la dentro de uma teoria científica unificada.

Assim, num certo sentido, estamos na mesma situação de Agostinho, com uma ligeira distinção, ou seja, a dificuldade não está em saber falar sobre o objeto estudado, no caso a Consciência, mas em não termos como explicar, fundamentar a partir de uma teoria científica unificada a respeito do objeto estudado.

Na mesma direção, o pesquisador americano Chalmers em seu artigo intitulado Facing up to the problem of Consciousness (Enfrentando o problema da Consciência – numa tradução livre) afirma ser a consciência o problema mais intrigante de toda a Ciência da Mente, pelo fato de sabermos intimamente o que é uma experiência consciente, mas é, simultaneamente, a mais complexa experiência a ser explicada, pois nos últimos anos tanto a Ciência como a Filosofia da Mente tem obtido bons resultados no estudo de diversos fenômenos, manifestações e estados conscientes, contudo a Consciência tem sido teimosamente resistente às abordagens que dela são feitas.

Nesse sentido, a Consciência é um conceito híbrido e por isso não é um único problema para a Teoria da Consciência ou para a Filosofia da Mente, mas por podermos atribuir ao conceito Consciência significados como: manifestação, fenômeno e estado de consciência, entre outros, de modo a termos como grande dificuldade para qualquer tentativa de se teorizar sobre a Consciência, primeiro saber o que se entende por Consciência. Diversos debates tomam um único sentido desse termo, negligenciando os outros possíveis, mas isso tem por efeito proporcionar mais críticas do que aceitação, principalmente pela ideia de se ter feito uma petição de princípio, i. e., toma-se a Consciência para definir-se a si própria.

Podemos então perceber que temos uma particularidade que torna ainda mais complexa nossa tarefa, ou seja, a própria circunscrição ou delineamento do objeto de estudos, pois o mesmo transfigura-se em diversos outros objetos que podem ser estudados como Consciência. Ou seja, todos os fenômenos de consciência carecem de explicação e muitos deles foram ou, em certa medida, estão prestes a ser explicados.

Contudo a Consciência em si ainda resiste às abordagens metodológicas das Ciências e da Filosofia. Compreende-se a grande dificuldade em se abordar a Consciência enquanto tema para discussão na Filosofia da Mente e, por isso, Chalmers, em seu artigo, a divide em dois tipos de problemas: 1) os problemas fáceis (the easy problems) e 2) os problemas difíceis (the hard problems). Sua proposta é mostrar que os problemas fáceis estão relacionados aos fenômenos, manifestações ou estados conscientes que já foram explicados, ou estão prestes a ser, via a metodologia científica padrão, ou como diz Chalmers: “[...] Os problemas fáceis da consciência são aqueles que estão diretamente suscetíveis pelos métodos padrões da ciência cognitiva, em que um fenômeno é explicado em termos de mecanismos neurais ou computacionais [...]”, e os problemas difíceis são todas as questões envolvendo a experiência subjetiva, à qual consideramos ser uma experiência da Consciência, que teimosamente resistem a esses métodos padrões das ciências e também da filosofia. Afirma ainda que, realmente, os problemas difíceis da consciência são problemas de experiência. Quando pensamos e percebemos, há um zumbindo no processamento da informação, mas há também um aspecto subjetivo, há algo como ser um organismo consciente. Este aspecto subjetivo é a experiência.

Essas experiências subjetivas da Consciência são, também, denominadas de Qualia. Os Qualia (no singular Quale) são as experiências que vivenciamos e não aquilo que experimentamos. Um exemplo muito utilizado, dentre os vários possíveis, é sobre a percepção de um objeto vermelho. O fenômeno que temos é de alguém, ou nós mesmos, percebermos um objeto vermelho, contudo o Qualia é a experiência subjetiva individual e impenetrável de como, esse alguém ou nós mesmos, temos a sensação/vivência do vermelho ou, em outras palavras, como a vermelhidão do objeto nos atinge. É algo extremamente subjetivo, e que pode nos remeter — sem entrarmos no mérito polêmico da questão — ao problema da existência das outras mentes proposto por Descartes. Em outras palavras, o problema dos Qualia está no fato do sujeito ter acesso privilegiado a essa experiência, pois é pessoal, subjetiva e interior, contudo a explicação da Teoria da Consciência deveria utilizar-se de métodos que permitissem atingir esse acesso privilegiado em si e não apenas falar sobre ele.

Destarte, temos o problema delineado. A necessidade de explicarmos a experiência consciente, ou seja, os Qualia e não somente expormos sobre tais experiências. Qual método pode se mostrar eficaz em propiciar acesso direto sem o subterfúgio da descrição subjetiva de uma manifestação, fenômeno ou estado de consciência, que como afirma Chalmers pode conter um ruído, um zumbido que interfere no processo de compreensão dos Qualia. Postulamos um problema o qual ainda está longe de se conseguir uma resposta, principalmente uma resposta unificada entre as Ciências e, também, com a Filosofia. Quiçá consigamos ter respostas a essas questões um dia!

* Publicado originalmente em http://www.rondoniaovivo.com/news.php?news=60515

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