Sempre é necessário relembrar que a busca por justiça passa, necessariamente, pela indignação e denúncia da injustiça que acontecem a nossa volta. Denunciar a injustiça é viver em desacordo com as estruturas sócio-política-econômicas de seu tempo.
Nossa sociedade está profundamente marcada pelo domínio externo do hemisfério norte. Vivemos em um modelo neo-liberal imposto sem possibilidades de libertar-nos. Segundo Darcy Ribeiro para compreendermos esta relação de dominação devemos levar em consideração quatro principais tensões: 1) as disputas entre as potências imperialistas industriais; 2) a oposição entre os povos atrasados e seus exploradores; 3) o antagonismo entre o campo capitalista e o socialista e 4) as tensões inter-socialistas. Estas tensões, foram estabelecidas por Darcy Ribeiro no início dos anos 70, quando ainda existia o socialismo soviético, mas não podemos deixar de ver como são atuais, mesmo entendendo que sem o socialismo soviético as tensões se reduzam às duas primeiras.
Esta conjuntura nos coloca no meio de uma disputa de nós mesmos. Somos objetos da ganância dos países desenvolvidos que nas disputas de mercado acabam por ficar com nossa produção, afinal o melhor por nós produzido é exportado. Pior que isso é que acabamos por ter a necessidade de importar para suprir o mercado interno. Desse modo o círculo vicioso gerador de dependência se eterniza. Sem mencionar o fato que nosso povo não é sequer considerado como mão-de-obra, mas simplesmente massa marginalizada, excedente da força de trabalho que o sistema produtivo modernizado não consegue incorporar. Não consegue e nem tem intenção de incorporar pela extrema especialização especialização que o trabalhador necessita hoje em dia. Não estou, com isso, defendendo a não especialização da mão-de-obra pro mercado de trabalho, pelo contrário. Contudo, o sistema é mais excludente do que includente.
Outra característica do sistema é que aqueles que conseguem ser incorporados ao mercado temem, cada vez mais, o crescimento numérico dos excluídos, pois, com a expansão avassaladora do sistema econômico capitalista neoliberal, as massas marginalizadas deixaram de crescer apenas biologicamente mas, crescem também, por achatamento das classes intermediárias.
Estamos certos de que este processo acontece desde 1492, e que simplesmente somos fantoches nas mãos das nações dominantes, escondidas atrás de uma pretensa política internacional desenvolvimentista. Desenvolvimento que não ocorre, pois não é o que realmente promovem. Não temos condições de desenvolvimento autóctone; se o tentamos o primeiro passo de represália dos países desenvolvidos é o boicote. O que temos então, é uma sociedade fundamentada na injustiça social e econômica.
O sistema é mais sutil do que imaginamos, pois promove, de forma sorrateira e imperceptível, um descompromisso com a vida. Afinal estamos todos na busca de manter nosso meio de subsistência e acabamos por não atender a aqueles que estão a nossa volta. Buscamos, num individualismo exacerbado, legitimar as posses e a acumulação dos bens materiais, não importando a situação do próximo e, assim, justificando o aumento da desigualdade social.
Quando nos rendemos aos ditames do mercado, da exclusão social das maiorias e, principalmente, ao perder a solidariedade como compromisso com dignidade humana, desfigurada por uma sociedade que dá exagerado valor ao capital, nós, enquanto membros dessa sociedade, estamos nos conformando com tal sistema e sendo seu coadjutor, legitimando, assim sua atuação.
Não podemos, é claro, dizer que esta é a regra geral. Percebem-se várias tentativas da sociedade civil organizada para minimizar os flagelos impostos por um sistem individualista e promotor do acúmulo a qualquer custo. Mas há a grande necessidade de que todos se conscientizem do papel solidário que cada um ocupa na sociedade e, assim, tome consciência de sua função e seja a voz que denuncia as ações de injustiça que rebaixa o próximo à condição sub-humana.
Assim, devemos estar prontos para intervir na história, promovendo a justiça e re-estabelecendo as relações justas e a dignidade humana que se caracteriza pela libertação do jugo da opressão de um individualismo egoísta que nos faz pensar que o mundo gira em torno de nosso umbigo e que as pessoas são servis a nossos propósitos. Não devemos, como muitos fazem, relegar a um futuro pós-mortem essa vida boa que podemos ter no aqui agora. Uma vida boa fundamentada no Bem-Estar-Social e na qual compreendemos o verdadeiro sentido da Res-Pública, ou seja, da coisa pública, daquilo que pertence a todos.
Essa modo de viver deve levar em conta o fato de que a vida humana tem precedência. Essa precedência deve ser marcante no modus vivendi da sociedade, pois o ser humano é um todo complexo e sua dignidade humana é um valor, como afirma Kant, inestimável. Assim, temos que agir com o outro como um fim-em-si-mesmo e não como um meio para alcançarmos nossos objetivos.
A sociedade Latino Americana e Brasileira é incrivelmente injusta, impondo a milhões de pessoas a miséria, a exclusão e um modo de vida sub-humano. Relegando a seus jovens uma situação insuportável diante da necessidade de emprego e a escassez do mesmo no Mercado de Trabalho. Portanto, é dever daqueles que pretentem viver numa sociedade justa e solidária denunciar às mazelas estruturais causadas pelo sitema neo-liberal.
Aqueles que almejam viver numa socidade justa e solidária compreendem que estão diretamente ligados a todo o processo histórico em que a justiça social está sendo almejada e não vivem suas vidas como se a dos outros não importasse.
Compreendem que suas ações versam diretamente sobre a transformação de toda a sociedade, para que toda a sociedade onde estiver inserido seja também transformada numa sociedade justa e solidária, por viver de forma justa e solidária.
Diante de tantas mazelas existe uma esperança, que não é meramente futura, mas a partir de hoje: a boa notícia para o ser humano marginalizado e excluído pelo sistema opressor é que existem pessoas comprometidas com a transformação social onde vivem.
Portanto, anunciemos essa utopia que visa dar esperança ao nosso povo sofrido e marcado pelo sistema neo-liberal e injusto. Busquemos realizá-la como sociedade civil organizada, sendo um farol no mar agitado do neocolonialismo que nos é imposto. De onde podemos contemplar a esperança de, juntamente com o todos os seres humanos, vivermos num Reino dos Fins, como vislumbrava Kant.